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SAFRA HISTÓRICA E INSTABILIDADE

Trabalhar no campo é lidar com algumas imprevisibilidades, situação que o produtor rural está familiarizado. Mas, este ano, está tendo que aprender a tomar decisões em um ambiente onde a única certeza é a dúvida.

As estimativas apontam para o quarto recorde de soja: o Rio Grande do Sul deverá colher 15,6 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Para o IBGE, o volume é estimado em 16 milhões de toneladas. Porém, a indefinição política e econômica contamina o entusiasmo. Enquanto as mãos ainda manuseiam a colheitadeira na safra 2015/16, a cabeça mira o triplo desafio que vem pela frente: a oscilação do câmbio, o custo alto do próximo plantio e clima menos favorável.

A cautela não está só no discurso do produtor. As feiras do setor, espécie de termômetro para medir a disposição do agricultor em investir, mostram recuo forte nas intenções para a próxima safra. Na Expodireto-Cotrijal, realizada em março, o volume de negócios recuou 28% em relação à edição 2015.

O Badesul, que nos últimos eventos ultrapassou a marca de R$ 300 milhões em protocolos de intenções, este ano mal chegou a R$ 80 milhões na feira. A retração nas operações comerciais do banco – que não financia custeio, apenas investimentos – dá uma pequena amostra das incertezas que rondam a cabeça dos empresários.

Quem investe hoje é o produtor que está bem estruturado, não depende mais de questões básicas.

E, mesmo assim, aplica se vê garantia de retorno. Um agricultor que tem pivô em dois terços da propriedade e viu que a produtividade da lavoura dobrou, por exemplo, vai sem medo – conta Susana Kakuta, diretora-presidente do Badesul.

Com metade dos 680 hectares já colhidos, a propriedade de Jeferson Saggiorato, 46 anos, em Mato Castelhano, deve render 50 mil sacas de soja. No entanto, o resultado com a venda da soja não irá aumentar, já que o custo da lavoura foi cerca de 18% mais caro e o preço da saca em dólar caiu, não sendo totalmente compensado pela valorização do real frente ao dólar.

– A agricultura é uma indústria a céu aberto. Um ano nunca repete o outro. Isso inclui o clima, o preço do insumo, o valor da commodity, tudo pode mudar. Mas nunca esteve tão instável quanto agora – avalia Saggiorato.

Diante do cenário, o produtor usou como estratégia evitar financiamentos: passou a comprar somente com recursos próprios.

– Vejo os agricultores agindo na empolgação, comprando máquinas. Aí o dinheiro só passa pela propriedade, não fica. Decidi que quero trabalhar sem orçamento comprometido, porque a gente não sabe o que vem pela frente – conta o produtor.

É por isso que Saggiorato vai esperar para adquirir a colheitadeira que lhe faz falta – nesta safra, ele alugou uma quando precisou – e o trator que vai trazer mais agilidade.

A queda na compra de máquinas é relevante, mas deve ser relativizada, pondera o diretor-executivo da Central Sicredi Sul, Gerson Seefeld. Depois de anos de investimento recorde, afirma, é natural que haja uma retração nas vendas.

– A redução de aquisições não é só reflexo da crise como se imagina. Trator não é automóvel, que se troca ano sim, ano não. Em período de incerteza como este, o produtor aproveita os recursos que tem para antecipar a compra de insumos –diz.

Outra mudança estratégica ficou por conta da venda da soja. Além dos 12% contratados ainda no ano passado, o agricultor planeja comercializar somente 50% da produção até agosto, quando nos anos anteriores já teria vendido praticamente tudo.

– Vou vender o necessário para pagar as despesas. O restante, vou aguardar para ver – afirma Saggiorato, ciente do risco de queda do dólar.

– No nosso setor, tudo é sempre uma aposta – define o produtor.

Alta nos custos de produção impacta nos ganhos da cultura

Apesar do avanço na produtividade da lavoura, as incertezas de mercado mitigam em parte o ganho dos produtores. O cenário turbulento confunde até especialistas. Analistas projetam o câmbio entre R$ 2,40 e R$ 5,15 ao longo do ano.

– Para o produtor de soja e de outras commodities, o câmbio é quase tudo.

No limite, é o que define a competitividade no mercado externo – resume Carlos Cogo, consultor em agronegócio.

Apesar de cotado próximo a US$ 9, preço bem mais baixo do recorde próximo a US$ 17 registrados em 2012, o valor da saca de soja na Bolsa de Chicago não deve sofrer novas quedas.

Para o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja), Décio Teixeira, o pessimismo deve durar até a crise política ser solucionada.

- Com os avanços tecnológicos, as lavouras serão cada vez mais produtivas e a soja continuará ocupando novas áreas, mesmo que não com a mesma velocidade. O governo precisa limpar o caminho para o produtor ao invés de criar empecilhos – resume Teixeira.

O gerente regional adjunto da Emater Passo Fundo, Cláudio Doro, ressalta que a compra de máquinas deve cair. Em semente, fertilizantes e calcário, o produtor não abre mão de investir.

Administrador de uma propriedade de 7 mil hectares plantados de soja ao lado de três irmãos, Romilton De Bortoli, 60 anos, se preocupa com a pressão dos custos. Há quatro anos, pagou R$ 70 por um litro de fungicida, valor que chegou a R$ 200 na atual safra. Mas não cogita reduzir a compra de agroquímicos, adubo e outros produtos para as lavouras localizadas entre Cruz Alta, Tupanciretã e Boa Vista do Cadeado:

– É como uma bicicleta: se a gente parar de pedalar, cai – compara.

A estratégia trouxe resultado: em cinco anos, a produtividade saltou de 50 sacas por hectare para até 63 sacas por hectare. Se há alguns anos esse rendimento se refletiria em investimentos, a incerteza leva a família De Bortoli a dar passos menores, mas certos. Em vez de adquirir 800 hectares, como planejado, arrendaram a terra para aumentar a área plantada da próxima safra. Já a compra de uma nova colheitadeira demorou uma semana para ser decidida.

Outra aposta dos De Bortoli é na irrigação. Com 22 pivôs em operação, a compra de dois novos já está acertada. A aquisição tornará irrigada quase 30% da propriedade.

– Sempre brinco, estou feliz e preocupado. O meio-termo é fazer investimentos controlados – diz De Bortoli.

Fonte: Zero Hora



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