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ESTÂNCIAS DOS PAMPAS MISTURAM TRADIÇÃO E TECNOLOGIA

Os avanços na pecuária e a diversificação estão mudando o perfil de muitas propriedades dos Pampas, no Rio Grande do Sul, divisa com o Uruguai. As fazendas da região, chamadas de estâncias, misturam tradição gaúcha e tecnologia moderna.

A paisagem é de horizonte vasto e planícies extensas. Essas terras passaram a ser chamadas de estâncias no final do século XVIII. Eram propriedade de Portugal e Espanha, que foram cedidas a pessoas como prêmio por serviços prestados às coroas dos dois países.

Os bois e cavalos criados originalmente nas missões dos Jesuítas encontraram no bioma do Pampa um bom pasto nativo. Foram fundamentais a partir do século XVIII, quando os tropeiros gaúchos abasteciam as minas da região Sudeste com animais de serviço e carne, na forma de charque. E foi assim que a pecuária se consolidou no Rio Grande do Sul.

A modernização vem mudando o cenário das estâncias do Pampa gaúcho. O gado já está se acostumando a conviver com os pivôs que irrigam as lavouras de soja e milho no verão e as pastagens no inverno.

A tecnologia para a integração lavoura-pecuária foi intensificada com o avanço da soja, cujo cultivo cresceu quatro vezes na região entre 2000 e 2015.

A soja deixa o solo pronto para o plantio de pastagens, que reforçam a alimentação do gado quando o campo nativo sofre com o frio. Assim, o rebanho tem mais comida e a pecuária, melhor rendimento.

“Antigamente se trabalhava somente manejando os animais, a alimentação deles, em campo nativo. O ganho de peso, e consequentemente a eficiência, são menores”, explica o pecuarista Válter Potter, dono da estância Guatambu, no município de Dom Pedrito.

A pecuária praticada no local é a chamada de ciclo curto, ou de 1 ano, na qual as novilhas são colocadas em reprodução aos 12, 14 meses e os animais são abatidos entre 12 e 18 meses de idade. No sistema tradicional, eles vão para reprodução e abate com, em média, 3 anos. A mudança trouxe uma rentabilidade quatro vezes maior, segundo Potter.

Outro investimento é na produção de alta genética, como o gado das raças hereford e braford. Os candidatos a bons reprodutores recebem notas pelas características que podem ser transmitidas para os filhos.

A busca pela eficiência vai passar também a contar com a resistência ao carrapato, parasita que traz enormes prejuízos para agropecuária de corte. A fazenda participa de uma pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que começou a há quase 10 anos.

Para o estudo, os técnicos aplicam larvas nos animais que não pegam carrapato no campo. São 20 mil larvas semeadas por todo o corpo. De muitas delas o boi se livra, de outras, não. A ideia é justamente descobrir quanto carrapato o bicho pega, porque a habilidade de se livrar das lavras é transmissível geneticamente.

O número de carrapatos que desenvolveram vai para um banco de dados da genética do animal.

O animal geneticamente resistente pega menos carrapato e requer menos tratamento, além de contaminar menos o ambiente. “Através da seleção genética, a gente está trazendo mais uma ferramenta aplicável para reduzir o problema do carrapato na prática das propriedades rurais”, explica o veterinário Fernando Cardoso, da Embrapa.

Várias informações do DNA do gado vão comprovar sua resistência, uma pesquisa importante também para criadores de outras regiões, que compram a genética dos Pampas para fazer cruzamentos.

Produção de vinhos

Ao mesmo tempo em que a estação fria é bem definida nos Pampas, no verão o sol é forte e pouco chove. E isso foi determinante para a mais nova atividade da estância Guatambu: a produção de uvas para vinhos, ideia de uma das filhas do pecuarista Valter Potter, a enóloga Gabriela.

Ela começou plantando meio hectare de cabernet sauvignon, em 2003. Agora já são 22 hectares e oito tipos de uvas cultivadas. E, desde 2013, toda a produção dos vinhos é feita em uma vinícola construída na fazenda.

A fazenda produz 100% das uvas usadas na fabricação dos vinhos e mantém controle de toda a cadeia, desde os vinhedos até o envasamento, tudo no mesmo local.

O investimento já dá retorno: as uvas ocupam apenas 0,2% da área, e geram 30% do faturamento total da estância.

A instalação da vinícola abriu uma nova perspectiva de negócio para a família. Uma vez por mês a estância é aberta para que os visitantes possam conhecer um pouco da carne e dos vinhos produzidos por lá. O assado tradicional é a parrilla, um tipo de grelha usada no Uruguai e na Argentina.

Lavoura e pecuária modernas

Há 38 quilômetros de Dom Pedrito, a fazenda Obelisco, de fachada construída em 1862, usa um pivô de 380 metros irriga lavouras de soja e pastagens, que alimentam principalmente ovelhas.

O nome da estância faz referência a um monumento que fica próximo dali, o Obelisco da Paz, erguido em celebração ao acordo que pôs fim à revolução Farroupilha, em 1845, época do império. Na revolução, que durou 10 anos, fazendeiros gaúchos lutaram, entre outras coisas, contra os altos impostos sobre o charque e chegaram a declarar a independência do Rio Grande do Sul.

Os animais criados no local não são de lã, tradicionais no estado, mas ovelhas dorper, uma raça da África do Sul que veio para o Brasil há 15 anos.

“Estávamos atrás de uma raça que fornecesse carne de qualidade e que, na cruza com as ovelhas de lã, conseguisse melhorar a carcaça, ter mais rendimento de carne e também uma qualidade de carne melhor”, diz o pecuarista Marco Sanchotene é um dos pioneiros na criação da raça na região.

A qualidade é melhorada com o “marmoreio” da carne, explica Marco. O mármore é a gordura no meio da carne.

“É o que dá o sabor, que é o que o mercado quer”.

Na fazenda dele, o rebanho de Dorper é destinado à produção de genética, ou seja, a reprodução de animais puros que vão formar o plantel de outros criadores. A reprodução é feita com barrigas de aluguel: as ovelhas dorper são inseminadas, e os embriões são transferidos para receptoras sem raça definida, que vão gerar os filhos.

“Uma ovelha de alto padrão genético produziria um ou dois cordeiros por ano. Com a transferência de embrião, podemos conseguir até 10, 15, dependendo da doadora. Os cordeiros nascidos dessas ovelhas sem raça definida serão puros, filhos da ovelha pura”, explica o veterinário Sérgio Nadal.

Ainda que as estâncias estejam se modernizando, algumas características do Pampa gaúcho não mudam, como o churrasco preparado no fogo de chão. A tradição vem dos tropeiros de antigamente, que precisavam levar seus alimentos e, onde precisassem parar, tinham que fazer o fogo de chão para fazer a carne assada. Na Obelisco, a carne assada é de cordeiro.

História registrada

Na estância São Francisco, no município de Bagé, o cavalo crioulo é símbolo. A raça, reverenciada pelos gaúchos, é a principal criada no estado. Quando ela foi comprada, no início da década de 1930, Belisário Sarmento já tinha cavalos crioulos e foi um dos fundadores da associação de criadores no Rio Grande do Sul.

A fazenda hoje tem agricultura, gado, ovelha e os cavalos, preparados para trabalho e competições. Lá, antes de ir para o campo, mantém-se uma prática antiga: as tropilhas. A tropa é incentivada a formar uma linha e os cavaleiros escolhem o animal que vão usar. Depois, cada um faz a própria encilha – coloca todos os apetrechos em cima do cavalo para sair.

A propriedade é tocada pelo pecuarista Manuel Luis e os filhos, Luisa e Manuel. Eles buscam harmonia entre modernidade e tradição. E os funcionários seguem à risca o que os patrões orientam.

“Aqui na estância a gente tem que andar de bombacha, é uma tradição. Bota, bombacha e chapéu e boina”, conta o domador José Oliveira. “É muito prazeroso”, emenda.

Desde 1932, tudo o que acontece na fazenda é registrado em diários escritos à mão, até hoje. Os diários guardam nomes de funcionários e a maneira como as coisas foram feitas em cada época.

Além da lida no campo, há anotações pessoais e peculiares, como essa feita por Belisário, o primeiro dono da estância, em 17 de agosto de 1943: “João veio me trazer um telegrama do papai”.

Manuel Luis é a terceira geração na estância e segue dando continuidade aos relatos. “A minha obrigação de manter e continuar isso é muito forte”, diz. Mas hoje, claro, tudo está também na contabilidade no computador.

Lito Sarmento, pai de Manuel, aos 84 anos, se orgulha de ver os netos gerenciando os negócios. Luisa é veterinária, e Manuel formado em ciências contábeis e administração de empresas.

“Àquela época não tinha agricultura na estância, não tinha trator pesado… eu acompanhei e aprendi as etapas antigas, mas estou recebendo hoje deles conhecimento de etapa moderna de trabalho”, conta.

Luisa se especializou em reprodução equina na Argentina e nos Estados Unidos e, tudo que aprendeu, levou de volta pra casa.

“A gente é muito, muito apegado. E a gente acha que o que tem dentro de São Francisco e o que a gente faz para melhorar é o que que basta pra gente ser feliz”.

Fonte: G1



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