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DÚVIDAS SOBRE O CADASTRO AMBIENTAL RURAL

Motivo de controvérsia, preocupação e dúvidas principalmente no Rio Grande do Sul, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) teve o prazo de adesão — que se encerraria na última quinta-feira — prorrogado por mais um ano pelo governo federal para propriedades com até quatro módulos fiscais, o que trouxe alívio para os pequenos agricultores, mas não livrou o tema da insegurança. Para os demais proprietários, a data-limite acabou mesmo na semana passada e quem não prestou as informações a tempo pode perder benefícios.

No Estado, onde predominam pequenas propriedades, foram cadastrados até quinta-feira 420 mil imóveis rurais, 87,51% da estimativa de 480 mil existentes, conforme a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A extensão chegou 15,9 milhões de hectares, 78,8% da árear.

O tratamento diferenciado foi criticado pela Federação da Agricultura do Estado (Farsul), que representa os produtores de porte empresarial. Ainda na quinta-feira, no entanto, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, não descartou medida para a prorrogação alcançar médios e grandes.

— Ficamos entristecidos com o fato de a prorrogação não ser para todos. É um assunto que nada tem a ver com a questão econômica do produtor. Cada grupo social tem as suas dificuldades — observa Eduardo Condorelli, assessor da entidade.

Ligado ao Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro justificou a medida alegando que o poder público deve facilitar a inclusão dos agricultores familiares.Para a advogada Juliana Pretto Stangherlin, especialista em direito ambiental, a decisão beneficia quem se enquadra como pequeno proprietário e estava inseguro devido à polêmica que envolve o Bioma Pampa, mas não atende ao interesse de quem já fez a inscrição e estava atrás de segurança jurídica.

— Seria mais correto o tratamento igualitário para todas as propriedades e posses rurais, pois, em maior ou menor grau, todos enfrentam dificuldades e desafios para o correto preenchimento do cadastro quando da inscrição do seu imóvel rural — diz Juliana.

Insegurança jurídica

Um dos principais motivos para a demora de os produtores gaúchos se cadastrarem envolve a controvérsia jurídica em torno do Bioma Pampa, que parece estar longe de um desfecho. Decreto estadual publicado em 2015, considerava consolidadas as áreas utilizadas para atividade pastoril. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público, no entanto, conseguiu de forma liminar fazer com que o Estado tivesse de considerar as áreas com pecuária que nunca receberam lavoura como remanescentes de vegetação nativa, com a obrigação de apontar 20% da extensão das propriedades como reserva legal. Devido à polêmica, em alguns momentos até os técnicos não tinham segurança na hora de esclarecer dúvidas dos produtores, admite Condorelli.

Mesmo sendo agrônomo, o produtor rural Claudio Feijó Evangelista Tavares, contratou um profissional que se especializou no assunto para fazer o CAR dos quatro imóveis rurais da família em Barra do Ribeiro, Tapes e Cristal, onde plantam arroz e soja, criam gado e ainda têm áreas de reflorestamento. Preocupado em atender todo o detalhamento do CAR com precisão, do ponto de vista técnico, Tavares diz ter certeza que as informações estão corretas.

— Mas, juridicamente, não sabemos — admite o produtor rural, que teme mudança de regras e a necessidade de refazer o CAR, principalmente na questão que envolve o Bioma Pampa.

Nas propriedades, a reserva legal – que engloba as áreas de preservação permanente (APP) — ficou com menos de 20% da extensão total porque eram partes já consolidadas, utilizadas para lavoura.Tavares avalia que a formulação das regras não atingiu o equilíbrio:

— Não temos o livre arbítrio para usar a propriedade como quisermos. Muitos legisladores parecem estar preocupados apenas com a sustentabilidade ambiental. Creio que é preciso um equilíbrio entre rentabilidade da propriedade e sustentabilidade ambiental — avalia o produtor.

Entenda o CAR

O que é o Cadastro Ambiental Rural

É um registro público, eletrônico, de abrangência nacional feito em órgão ambiental competente. Criado pelo novo Código Florestal Brasileiro, em 2012, é obrigatório para todos os imóveis rurais. Tem como finalidade integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Por que fazer
É o primeiro passo para a regularização ambiental do imóvel.

Benefícios da adesão
1) Fazer o planejamento ambiental e econômico do imóvel.

2) Atender pré-requisito para acesso à emissão das Cotas de Reserva Ambiental e aos benefícios previstos nos Programas de Regularização Ambiental – PRA e de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, ambos definidos pela Lei 12.651/12. Dentre eles, estão:
— Possibilidade de regularização de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL) suprimidas ou alteradas antes de 22/07/2008, sem autuação por infração administrativa ou crime ambiental.
— De acordo com o governo federal, o CAR proporcionará a possibilidade de obter crédito agrícola em melhores condições em relação às praticadas no mercado. Não foi explicado, porém, como isso será possível.
— Conforme o governo federal, também permitirá a contratação de seguro agrícola em melhores condições em relação às cobradas no mercado, embora também ainda tenha sido explicado como.
— Dedução das APPs, de reserva legal e das áreas de uso restrito da base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), gerando créditos tributários.
— Possibilidade de acessar linhas de financiamento para atender iniciativas de preservação voluntária de vegetação nativa, proteção de espécies da flora nativa ameaçadas de extinção, manejo florestal e agroflorestal sustentável realizados na propriedade ou posse rural, ou recuperação de áreas degradadas.
— Isenção de impostos para os principais insumos e equipamentos, tais como: fio de arame, postes de madeira tratada, bombas d’água, trado de perfuração do solo, dentre outros utilizados para os processos de recuperação e manutenção das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.
Fonte: Serviço Florestal Brasileiro

Punições para produtores que perderam o prazo 

Proprietário ou posseiro de área acima de quatro módulos fiscais poderá sofrer sanções como advertências ou multas, além de não poder mais obter nenhuma autorização ambiental ou ter acesso a crédito rural a partir de maio 2017.

Para o assessor técnico da Farsul, Eduardo Condorelli, assim que o sistema reabrir e for possível recomeçar a fazer o CAR, quem preencher o cadastro não sofrerá punição em relação ao crédito. Para os produtores com área superior a quatro módulos estão previstas perdas de benefícios como incluir APP na área de reserva legal e a possibilidade de terem suspensas penalidades impostas por supressão irregular de vegetação, antes de julho de 2008, nestes locais protegidos. Assim, estariam sujeitos à legislação anterior ao novo Código Florestal, de 2012.

Desinformação também causou atraso

Teresa Bonebe, de Mariana Pimentel, conta que mora na zona rural e  ficou sabendo da obrigação apenas duas semana atrásFoto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Não foram apenas as dificuldades de interpretação e a controvérsia em torno do Bioma Pampa que atrasaram a adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Rio Grande do Sul. Aliadas às dúvidas sobre a inscrição, muitos pequenos produtores, há poucos dias do fim do prazo antes estipulado em 5 de maio, sequer sabiam que necessitavam prestar as informações e não tinham ideia da razão para fazer o cadastro.

Proprietária de uma área de 4,3 hectares em Mariana Pimentel, a pequena agricultora Teresa Bonebe, 43 anos, conta ter ficado sabendo da obrigação apenas uma semana antes do fim do prazo, agora prorrogado por mais um ano.

— Nem sabia que tinha que fazer isso (o cadastro). A gente mora pra fora, trabalha o dia inteiro, nem vê televisão e o celular não pega direito — justifica a agricultora, que fez o cadastro na última quarta-feira no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guaíba, com o auxílio de uma funcionária da entidade, treinada pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag).

Para ajudar no processo, Teresa levou o filho, Felipe Rodrigues Amengual da Silva, 18 anos, para tentar localizar nas imagens de satélite a propriedade, as divisas e as áreas de preservação permanente (APPs). Como boa parte dos pequenos produtores não domina o conceito de APP, é necessário perguntar onde ficam as áreas de mata nativa, olhos d´água, banhados e sangas. Pessoas mais idosas chegam a levar mais de uma hora em frente ao computador até localizar a propriedade. Chegam preocupados, sem saber se há custos para fazer o CAR e quais são as consequências de deixar fazer o cadastro.

Dúvidas sobre objetivos do cadastramento

Dono de 88 hectares em Guaíba, onde cria gado de corte, o pecuarista Luiz Pires, 59 anos, demonstrava as mesmas dúvidas. Diz ter sido informado de que teria de fazer o CAR apenas no mês passado.

— Por que tenho que fazer, não sei — contava de forma simples Pires, enquanto aguardava a sua vez de ser auxiliado.

A prorrogação de um ano do prazo para fazer o CAR parece ter vindo a calhar. No sindicato de Guaíba, que também engloba Mariana Pimentel, a avaliação semana passada era de que mais da metade das 1,1 mil propriedades que integravam a base da entidade acabariam deixando de prestar as informações no prazo, caso a data limite fosse na última quinta- feira.

Satisfeito com a medida do governo federal, o presidente da Fetag, Carlos Joel da Silva, avalia que não houve falha na comunicação das entidades com sua base.

— Acredito que não houve falha. A pessoa que não sabe hoje que tem de fazer o CAR, não está participando do sindicato. Foi feita a comunicação com todos, e há ainda as informações divulgadas em rádios, jornais, TVs — diz Joel, lembrando que, no Interior, os sindicatos estavam agendando atendimento aos associados para ajudar a fazer a inscrição.

Agora, a ordem é intensificar a divulgação para que os agricultores familiares encerrem o cadastramento o quanto antes.

Fonte: Zero Hora



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