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DESAFIOS E OPORTUNIDADES

O histórico acordo global fechado há 10 dias em Paris para frear as emissões de gases causadores do efeito estufa traz oportunidades e desafios para a agropecuária brasileira. O setor responsável por 27% do CO2 lançado pelo país na atmosfera ano passado, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), acompanhou de perto as discussões durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. O objetivo era ter uma noção mais precisa de como terá de se reinventar nas próximas décadas, quais vantagens se descortinam no país e em que frentes é preciso estar atento na continuidade das negociações.

– A conferência do clima sinalizou um novo cenário. A bola da vez é a agricultura de baixo carbono – resume Marcello Brito, diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).

O compromisso levado pelo governo brasileiro a Paris, impõe ao campo a necessidade de uma revolução em favor do ambiente, mas que também pode ser rentável aos produtores. Entre as ações, será possível restaurar 12 milhões de hectares de florestas, recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e integrar 5 milhões de hectares no sistema lavoura-pecuária-floresta até 2030.

O presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Junqueira, ressalta que, para o campo, o acordo do clima deve partir para uma negociação mais detalhada quanto ao comércio mundial. Segundo ele, a contrapartida para o esforço de cortar emissões deve ser o acesso mais facilitado a mercados para a produção agropecuária brasileira.

– Teremos uma grande oportunidade se a questão comercial também for discutida, com prioridade para quem produzir de maneira sustentável – pondera Junqueira.

Embora não exista definição detalhada sobre como será o financiamento para as ações necessárias para limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5º C até final do século, os países desenvolvidos acenam com pelo menos US$ 100 bilhões por ano entre 2020 e 2025, valor que deverá ser elevado. Este dinheiro, apontam os líderes do agronegócio brasileiro, poderá ser captado para ser investido no Brasil em esforços como o de recomposição de reservas legais e áreas de proteção permanente (APPs).

– Para nos adequarmos ao Código Florestal serão necessários investimentos entre US$ 150 bilhões e US$ 200 bilhões nas próximas décadas. O setor não tem este dinheiro e o governo também não. Então, precisamos discutir os mecanismos de financiamento à agricultura de baixo carbono – observa Brito, lembrando ainda que o pagamento por serviços ambientais é outra possibilidade que pode conjugar renda no campo e o desafio de evitar um aquecimento maior do planeta.

Atividade mais Competitiva

O secretário-executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Maurício Voivodic, cita a pecuária como uma atividade em que é possível conciliar maior produtividade e menor emissão de carbono.

– Essa é uma indústria que será fortemente pressionada e terá de se intensificar, se reinventar. Ter uma cabeça por hectare não é mais possível. Vamos partir para a recuperação de pastagens degradadas e integração com lavoura e florestas – diz.

O norte apontado por Paris, avalia Voivodic, não é uma direção que privilegia apenas a luta global contra o aquecimento. Para o país, é um acordo que abre caminho para uma agropecuária mais competitiva nos mercados internacionais, com reflexos positivos para e economia brasileira.

Produtividade maior na pecuária

A recuperação do solo está gerando mais produtividade na Fazenda Bons Ventos, de Cristal. O melhoramento do terreno, com rotação de lavoura de soja e azevém e depois o engorde do gado, se refletiu no peso dos terneiros desmamados. De uma média de 165 quilos o terneiro, com a pastagem melhorada e utilizada já pela vaca prenhe, o peso da cria desmamada subiu para 205 quilos. O melhoramento da pastagem também reduziu o tempo de abate para dois anos e melhorou a qualidade da carne.

Na pastagem normal, a média de abate é de três anos. – Estamos promovendo o melhoramento da pastagem nativa através da rotatividade de uso do solo e aumentando o número de animais por hectare – afirma Sérgio Colaço, proprietário da fazenda. O projeto, que está no segundo ano, conta com linha de financiamento do Banco do Brasil, através do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), do governo federal. O projeto consiste no plantio de soja e, durante a floração, na semeadura de azevém. Na época da colheita da soja, as pastagens já estão formadas por baixo, deixando a área pronta para o gado. São 350 hectares de pastagens, sendo 200 hectares de soja e 150 hectares de campo nativo.

Financiamento e regulamentação geram dúvidas

Embora o Brasil tenha se comprometido com metas ambiciosas em Paris, os meios para o país atingir os objetivos traçados ainda geram questionamentos. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Rodrigo Justus, lembra que além das dúvidas sobre os mecanismos de financiamentos, falta regulamentação sobre como poderá ser a exploração econômica de áreas reflorestadas, seja para fruticultura ou de espécies utilizadas para a exploração de madeira, em alguns casos até nativas.

– Temos uma meta de recuperar 12 milhões de hectares de florestas, mas o setor de papel e celulose do Brasil levou 50 anos para chegar a 7,5 milhões de hectares – ilustra Justus.

Outro ponto cercado de pontos de interrogação é o Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), criado pelo governo federal em 2010. Mesmo que a iniciativa seja elogiada, Justus lembra que há hoje problemas como dificuldade para acessar o crédito, além do custo do dinheiro – à reboque da recomposição dos juros no país, as taxas para quem pega os recursos subiram de 4,5% e 5% para 7,5% e 8%.

Outra deficiência que deve ser sanada ao longo dos próximos anos, entende, é uma melhor aferição da eficiência dos recursos aplicados e uma identificação mais precisa do quanto contribui para a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. Em linhas gerais, os benefícios ocorrem pela reforma de pastagens degradadas, terminação antecipada dos bovinos e renovação do máquinas.

Para o pesquisador da área de mudanças do clima Gustavo Mozzer, da secretaria de relações internacionais da Embrapa, mesmo que existam pontos a aperfeiçoar – como a compreensão melhor do programa pelo sistema financeiro, que opera o crédito, e pelo agricultores – o ABC é uma base estabelecida para o país trilhar o caminho apontado pela COP21.

– Nossos experimentos de longa duração mostram que os resultados são crescentes ao longo do anos e em algumas propriedades onde já foi implantado foi possível perceber maior resistência quando há eventos extremos no clima – diz Mozzer.

Além da motivação econômica pelo aumento da produtividade, Mozzer lembra que a adoção de técnicas abrangidas pelo ABC, se forem capazes de mitigar efeitos das mudanças climáticas, acabam diminuindo o risco da atividade. Afinal, por ser uma atividade a céu aberto, a agropecuária é o setor mais vulnerável aos humores do clima.

Vantagens para o agronegócio brasileiro

Aumento da competitividade por meio da intensificação da pecuária e consequente disponibilização de áreas.

Diversificação de renda ao produtor pela adoção de sistemas integrados de produção.

Redução de custos pelo uso mais eficiente dos recursos naturais.

Aumento da participação de bioenergia no mercado.

Potenciais ganhos por meio do acesso a linhas de crédito diferenciadas e pela adoção de incentivos como o pagamento por serviços ambientais.

Desafios:

Aperfeiçoamento das políticas e meios de implementação para que os recursos cheguem, de fato, aos produtores.

Fortalecimento das ações de assistência técnica e capacitação, tanto ao financiador como ao produtor rural.

Desenvolvimento de sistemas eficientes de monitoramento e quantificação das práticas de baixo carbono no país.

Fonte: Zero Hora



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