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TESTE DE PACIÊNCIA

Na primeira tentativa, o telefone chama, alguém atende e a ligação cai. A repórter refaz o contato, antevendo que não seria uma entrevista fácil. Minutos depois, o agricultor familiar Silvano Montineli, 31 anos, de Boqueirão do Leão, no Vale do Taquari, confirma o presságio e explica que, para a família, a comunicação com o mundo exterior é sempre um desafio, mesmo depois de investir em uma antena e em um “celular rural” — um aparelho fixo que opera com número de celular.

Existem dois telefones móveis na casa, mas estão sempre desligados, jogados em um canto ou uma gaveta. Juntando pó, como descreve Silvano. Ele, a esposa Marla, 26 anos, ou os pais dele, Celso, 60, e Sueli, 55, só utilizam um dos celulares quando vão à cidade. O produtor explica que, na propriedade, que fica na localidade de Alto Rio Pardinho, a 13 quilômetros da área urbana do município, só há sinal do alto de um morro. O telefone fica mudo. Mais uma vez, a ligação é interrompida.

— Nosso sinal é assim. Às vezes, funciona às mil maravilhas, mas dificilmente a gente consegue fazer uma ligação sem falhar ou cair. Só não quebro esse aparelho porque é do pai — diz, revoltado, antes de confessar que tem vontade de fazer o mesmo que o irmão Sílvio, morador a um quilômetro dali, que se conformou em não ter telefone.

As dificuldades enfrentadas pelos Montineli não são exclusividade da família ou daquela região. Relatos de façanhas que muitos produtores têm de fazer para conseguir efetuar uma ligação pipocam pelo Estado. Há quem tenha de escalar árvores, subir em mangueiras e os que possuem mapas da propriedade com os pontos em que o celular pega. A situação crítica não é novidade e levou, em 2013, à instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Telefonia, na Assembleia Legislativa.

Um dos resultados da CPI foi a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público do RS (MP-RS) e as operadoras Oi, Tim, Vivo e Claro. Passados quase dois anos, o prazo para os ajustes expira em 31 de dezembro. Mas o próprio MP reconhece que os problemas persistem.

Para a promotora Caroline Vaz, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor e Ordem Econômica, há um descompasso entre a demanda e os investimentos das operadoras. Conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em agosto deste ano, 16,3 milhões de linhas estavam habilitadas no Estado. Dez anos atrás, eram apenas 6,7 milhões.

— Apesar da prestação de serviço ter melhorado em muitos aspectos, quanto mais linhas são vendidas, maior é a expectativa da população. O que estamos vendo é que as pessoas continuam com os mesmos problemas de 2013, especialmente na zona rural — diz a promotora.

Segundo Caroline, a qualidade dos serviços de telecomunicação no meio rural pode ser um novo foco de atuação do MP. Ela lembra que não há, contudo, uma obrigação legal de operadora de oferecer sinal em todo o Estado. Procurada, a Anatel informou que estão em andamento medidas para garantir “patamares mínimos de qualidade da rede da telefonia móvel para todos os municípios brasileiros, com prioridade para aqueles atendidos por apenas uma empresa”. Até o final do ano, as operadoras terão de atender pelo menos 80% das áreas compreendidas até a distância de 30 quilômetros do limite das localidades sede de todos os municípios — no RS, a responsabilidade é da Oi.

— Não estamos pedindo um favor. Estamos pagando por um serviço que não está sendo prestado na qualidade vendida. Hoje, um smartphone pode ser muito útil no gerenciamento de uma propriedade, mas essas condições desestimulam o produtor — avalia Fábio Avancini Rodrigues, diretor da Farsul.

Se o sinal da telefonia é precário na localidade, o de internet, então, é inexistente. Apesar de sua juventude, Silvano não tem e-mail ou contas em redes sociais. Do Facebook, até hoje só ouviu falar. Ele conta que gostaria de ter acesso à internet para poder se informar e pesquisar novidades. Hoje, para se atualizar a respeito de técnicas que podem ser úteis nas lavouras de fumo, milho, feijão, batata e mandioca, faz cursos na Emater ou obtém dicas em programas de TV e rádio e pelo jornal.

— É uma coisa, assim, que a gente fica meio limitado, se sente com as mãos atadas e …

A ligação cai pela terceira vez. Depois de 13 tentativas de retomar o contato, a reportagem descobre que o problema, agora, foi provocado pela falta de luz. Para viver no campo, diante da carência de infraestrutura, é necessário uma dose extra de persistência.

Dificuldade comunicação colabora para êxodo de jovens

O Rio Grande do Sul tem hoje, conforme o último censo do IBGE, realizado em 2010, 336 mil jovens vivendo no meio rural — o equivalente a apenas 12,73% de toda a população do Estado na faixa etária de 15 a 29 anos. Esse número vem encolhendo e, de acordo com fontes consultadas pela reportagem, um dos fatores que contribui e pode agravar o êxodo nos próximos anos é o isolamento em plena era digital.

— Sem acesso à internet, eles se sentem inferiorizados. Esse é, com certeza, um dos motivos que tem levado os jovens a deixarem o campo — lamenta Josiane Einloft, diretora e coordenadora da Juventude Rural da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag-RS).

Segundo Josiane, as novas gerações — que poderiam garantir a sucessão nas propriedades familiares — não desejam apenas acessar as redes sociais, mas, também, baixar aplicativos que possam ajudar no gerenciamento da produção e realizar pesquisas sobre manejo e equipamentos. Afinal, diferentemente de seus pais, esses jovens exigem respostas mais práticas e rápidas para suas dúvidas.

Para o professor Marcelo Antonio Conterato, do programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a diminuição do número de jovens no campo também está relacionada com a queda na taxa de fecundidade. Ele lembra que no anos 1970, no país, as mulheres que viviam no meio rural tinham, em média 7,7 filhos, quase três vezes mais do que atualmente. Conterato, no entanto, reconhece que a qualidade (ou a falta dela) dos serviços de comunicação interfere na decisão dos jovens de migrar ou permanecer em seus locais de residência.

— É inadmissível que, em pleno século 21, na sociedade da informação, boa parte de quem vive no meio rural esteja desconectado. Os jovens que vivem no campo têm o mínimo de informação e conseguem comparar as realidades. Então, muitos acabam optando por se mudar para centros urbanos médios, que têm uma estrutura de serviços mais abrangente e consolidada. No final dos anos 1990, bastava que a TV tivesse bom sinal. Hoje em dia, isso não é mais suficiente — explica.

Na avaliação de Conterato, que também coordena o bacharelado a distância em Desenvolvimento Rural, lamenta a falta de políticas públicas que estimulem a melhoria da prestação de serviços de comunicação no campo. Segundo ele, a maioria das ações são voltadas para a produção, o que “se justifica, mas não tem estancado o êxodo rural”.

Fonte: Zero Hora



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