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PRODUÇÃO FUTURISTA NO PAÍS

Coisas que hoje parecem ficção científica vão se tornar corriqueiras na paisagem rural brasileira nas próximas décadas: robôs para fazer análise de solo e veículos aéreos não tripulados (vants) para dispersar agrotóxicos e outros insumos com exatidão, apenas nas quantidades necessárias para cada pedacinho de chão, sem desperdício. É o que conta o agrônomo Maurício Antônio Lopes, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Graças a esses avanços, será possível ao Brasil continuar se tornando cada vez mais sofisticado no campo. A tarefa não é fácil, exatamente porque já avançamos muito. Apesar de todo o destaque que a produção de grãos conquistou na economia brasileira, ela ocupa apenas 7% do território nacional, aproximadamente. Se ainda tivéssemos a produtividade de meados do século passado nas lavouras, seria preciso 10 vezes mais espaço para a colheita atual, conta.

Daqui para a frente, os ganhos não serão tão grandes, mas vão continuar. Com o conhecimento que já existe, é possível ganhar muita eficiência em algumas culturas, como o milho, e, sobretudo, transformar pastos degradados em áreas de cultivo, o que permitiria dobrar a área plantada. Isso vai acontecer junto das novas etapas da evolução tecnológica e gerencial do campo.

Doutor em genética molecular, Lopes acredita que os organismos modificados vão ter participação central nesse processo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a dimensão do avanço da agricultura brasileiras nas últimas décadas? 

O avanço é muito expressivo: a agricultura incorporou tecnologia, ampliou área e ganhou capacidade exportadora. Se tivéssemos a produtividade dos anos 1950, precisaríamos de 600 milhões de hectares para produzir o mesmo que produzimos hoje em 60 milhões de hectares.

Somos líderes? 

Em soja, somos líderes em produtividade junto com os norte-americanos, disputando ombro a ombro. Em muitos outros cultivos, ainda temos uma margem gigantesca de aumento de produtividade. O milho, por exemplo. Em alguns lugares, se produz 11 toneladas por hectare;em outros, 2,5 toneladas a 3 toneladas. A produção bovina é outro caso.

Continuaremos crescendo? 

Certamente, não teremos nos próximos anos uma ampliação tão significativa da área, em função do novo código florestal, que limita a ampliação da agricultura em área e coloca um desafio para a agricultura como um todo no sentido do desenvolvimento vertical da produção, com mais eficiência, com sustentabilidade, um tema muito importante na agenda da sociedade.

Como se pode crescer verticalmente? 

O Brasil tem de 50 milhões a 60 milhões de hectares de pastos degradados, áreas que foram abertas há muito tempo, nos anos 1970, 1980. Essas áreas deverão ser incorporadas ao processo de produção, permitindo ao Brasil seguir produzindo ganhos contínuos sem a necessidade de desmatar. A produção de carne é uma forma de agregar valor à produção de grãos. O Brasil deverá fortalecer sua posição de provedor de proteína animal. Um sinal é a gradual abertura do mercado chinês. E a agricultura entrará em vertentes novas. Nós da pesquisa temos grandes expectativas com a indústria da biomassa e novos produtos da química verde, incluindo polímeros.

Como produzir de forma sustentável? 

A Embrapa tem mostrado que é perfeitamente possível plantar uma lavoura de soja em outubro, colher em janeiro, plantar uma segunda lavoura, de milho, junto do pasto, mais profundamente. Quando se colhe o milho em maio já se pode vir com os bovinos, fechando-se o ciclo em outubro, quando volta a soja. É possível também colocar nesse processo florestas, um forte incorporador de carbono, e também uma poupança para o produtor, com eucalipto, teca, palmáceas. O componente arbóreo contribui para o bem estar animal. É possível que os produtos sejam certificados também com base nesse critério. Há uma preocupação crescente dos consumidores em relação aos processos produtivos. Além disso, é uma agricultura mais resiliente, em vez de fazer investimento em uma produção só, o produtor estará mais apto de lidar com variações muito bruscas nos preços dos produtos.

Os ganhos de produtividade virão mais da incorporação de tecnologia ou de inovação? 

As duas coisas. Na pecuária, há tecnologias que já estão prontas para a recuperação de pastagens. A Embrapa é a principal geradora de novas forragens para as diferentes regiões do Brasil. Temos muita capacidade na área de genética e reprodução, incluindo a fertilização in vitro. Isso favorece uma genética mais apurada tanto para carne quanto para leite. A clonagem em bovinos permite uma genética ainda mais aprimorada, com custos que deverão cair. Temos as inovações da agricultura de precisão. Hoje, nós fertilizamos e fazemos a correção do solo de uma área de produção pela média. Isso tende a mudar. Estão surgindo máquinas que permitem amostrar o solo em espaços cada vez menores.

Em qual escala? 

Em vez de uma pulverização massiva de 10 hectares, já há tecnologia para fazer uma grade com aplicação diferenciada a cada 20 metros. Há os veículos aéreos não tripulados (vants). É uma tecnologia que nos permite, por exemplo, visualizar grandes áreas, usando câmeras ou sensores, registrando se há deficiência de água ou uma praga, também nos permitindo produzir mapas que nos dirão como aplicar defensivos ou água de uma forma muito mais eficiente.Será cada vez mais aplicada nos próximos anos. Já existem também robôs que fazem avaliação. Uma outra tendência forte para o futuro são tecnologias gerenciais. No passado, a preocupação era com a produção física. Hoje, há preocupação com vários fatores. Colocamos ênfase no desenvolvimento de tecnologia móvel para entregar conhecimento aos produtores, por meio de aplicativos.

Propriedade intelectual pode ser um problema para os agricultores brasileiros? 

Sim. É razoável que uma empresa que desenvolve inovação tenha o direito de explorar isso na forma de patentes, via cobrança de royalties. A Embrapa usa isso. Mas temos de ter determinados cuidados. Temos preocupação com a concentração excessiva em alguns setores, em especial o setor de sementes e biotecnologia. Tivemos uma participação muito forte nesse mercado até o início da década passada. Em função da lei de patentes, da lei de proteção de cultivares, isso atraiu muitas empresas para o mercado brasileiro. Os organismos geneticamente modificados são uma vertente tecnológica que exige um investimento muito alto. Os governos têm se retraído desse esforço de inovação sob o argumento de que nós temos empresas competentes. Felizmente isso não está acontecendo no Brasil, o que é uma vantagem para os produtores brasileiros. A Embrapa tem 80 programas de melhoramento genético. Talvez seja a a instituição pública com o maior número desses programas no mundo. Muitos pensam que a Embrapa só faz soja, milho, trigo e algodão. Não: tem programas de melhoramento de forrageiras, banana, mandioca, feijão, açaí, café. A gente não quer perder esse espaço, porque consideramos que é quase um trabalho de segurança nacional.

Os organismos geneticamente modificados têm restrição na Europa. Isso vai mudar? 

É uma escolha dos europeus. Acho que o Brasil fez a opção correta e pragmática. Desde meados da década passada, temos uma legislação de biossegurança que é extremamente rigorosa e vem sendo cumprida à risca. Exige das organizações que manuseiam essas tecnologias critérios rígidos. Precisamos pensar numa agricultura que faça uso mais inteligente dos nossos recursos naturais, do solo, do ar, da água, das áreas florestadas. O Brasil tem um espaço muito significativo de seu território com florestas naturais. Nós queremos conservar esses recursos, manejar de forma sustentável. A biotecnologia é um elemento e deverá ser acrescido de outros. A nanociência, fazer inovação na escala do bilhonésimo do metro, com a possibilidade de produzir novos materiais, sensores, também vão suscitar polêmica.

Isso vai crescer no Brasil? 

Os Estados Unidos são o país mais aberto à incorporação de tecnologia na agricultura. A participação brasileira será crescente. Nós vimos agora a aprovação do eucalipto transgênico. Não há em outro país uma árvore geneticamente modificada. A Embrapa teve a aprovação do primeiro feijão geneticamente modificado, que irá ao mercado no próximo ano. Será o primeiro feijão no mundo resistente ao mosaico dourado. É um vírus transmitido pela mosca branca, que se multiplica em uma velocidade muito grande, o que exige uma quantidade massiva de inseticida. O que a gente fez foi modificar a planta com um gene que inviabiliza a reprodução do vírus. Não há rastro: pode-se vasculhar aquela planta de cima abaixo e não vai se encontrar nenhum rastro. É o mesmíssimo feijão. A transgenia permite que a soja, a cana-de-açúcar, o milho façam uso mais eficiente da água disponível no solo, para que se possa ter produtividade elevada mesmo em situações

O Brasil vai aumentar a presença no mundo? 

Sim. Grande parte da população do mundo está concentrada em uma região do planeta que não tem como ampliar sua capacidade de produção de alimentos e fibra, a Ásia. Não há mais espaço físico. Mas a população vai continuar crescendo lá e na África. Mas a África não conseguirá promover uma revolução agrícola a curso prazo, porque há questões institucionais e políticas. Nós já somos grandes provedores hoje e seremos cada vez mais eficientes. A própria FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) nos diz isso: Brasil, eleve sua produção em pelo menos 40% até 2050, senão a conta não fecha.

E nós conseguiremos? 

Não tenho dúvidas de que conseguiremos até ultrapassar se as condições forem adequadas. O Brasil, hoje, já é considerado uma potência agrícola, até mesmo por questões geopolíticas. Alimento está muito relacionado com paz. Essa é uma discussão política muito importante para o Brasil.

- Em vez de uma pulverização massiva de 10 hectares, já há tecnologia para fazer uma grade com aplicação diferenciada a cada 20 metros. Há os veículos aéreos não tripulados (vants). É uma tecnologia que nos permite, por exemplo, visualizar grandes áreas, usando câmeras ou sensores, registrando se há deficiência de água ou uma praga, também nos permitindo produzir mapas que nos dirão como aplicar defensivos ou água de uma forma muito mais eficiente – conclui ele.

Fonte: Correio Braziliense

 



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