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PECUÁRIA DE PRECISÃO

Com o avanço da soja em áreas de pecuária na Metade Sul, os criadores de gado terão de ser cada vez mais eficientes. Nos últimos cinco anos, enquanto as lavouras do grão na Campanha e na Fronteira Oeste – regiões típicas de pecuária – cresceram 200% e alcançaram 740 mil hectares, segundo o IBGE, o rebanho bovino cresceu 1,5% no Estado.

Neste cenário, o uso de técnicas para otimizar a produção, aumentando a produtividade e reduzindo custos – a chamada pecuária de precisão –, vem conquistando cada vez mais adeptos, apesar de ainda estar longe de ser realidade para a maioria dos produtores gaúchos.

Barreiras culturais, custo para adotar novas tecnologias e infraestrutura precária, como energia, telefonia e internet, são alguns dos obstáculos que travam o avanço do sistema. Em outros Estados, em especial no Centro-Oeste, o processo está mais adiantado, mas também é considerado incipiente.

– A busca por redução de custos é fundamental. A pecuária vai ter de ser cada vez mais intensiva, porque a agricultura está ocupando mais espaços, e isso passa pela pecuária de precisão – avalia Carlos Simm, diretor da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).

Para Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o emprego de tecnologias que possibilitem, por exemplo, a alimentação individual de vacas leiteiras pode aumentar a produtividade em pelo menos 20%.

Além disso, a identificação eletrônica dos animais, outra técnica considerada de precisão, é capaz de reduzir a margem de erro em cerca de 30%, quando comparada com a anotação manual.

Conforme Márcio Langer, assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no RS (Fetag-RS), como 86% dos estabelecimentos rurais no Estado são geridos por pequenos produtores, a necessidade de investir e o temor de se endividar são os maiores entraves ao avanço da tecnificação na pecuária.

Consultor da Safras & Mercado, Luiz Fernando Gutierrez Roque, avalia que, ao apostar na soja, os pecuaristas estão conseguindo se capitalizar, apesar dos custos de produção mais altos. A cotação do dólar tem sido a principal aliada, diz Roque. Com isso, parte do lucro retorna para o campo como investimento para melhorar a produtividade da pecuária. O analista de mercado Farias Toigo, da Capital Corretora, concorda:

– Antes, a pecuária era a única atividade em muitas propriedades. Agora, com o ganho obtido no cultivo de grãos, o investimento é para alavancar a criação de gado – afirma ele.

Conceito divergente

Entre os especialistas, é consenso que a implantação da pecuária de precisão tende a crescer frente ao aumento da demanda do mercado por carne, diminuição das áreas destinadas à pecuária no Estado e dificuldade em se obter mão de obra qualificada no campo. Mas o entendimento sobre o conceito do método é divergente.

Conforme Barcellos, a pecuária de precisão está vinculada ao uso de alta tecnologia, e o uso destas técnicas começou a ocorrer há menos de cinco anos no país.

– Precisão é dar o tiro certo. No meio rural, ainda trabalha-se muito no “achômetro”, seja por questões de custo ou limitação da mão de obra. Então, os dados que se obtêm são pouco precisos – afirma Barcellos.

Professor do Departamento de Zootecnia da UFRGS, José Fernando Piva Lobato discorda. Para ele, a tecnologia facilita o processo, mas as técnicas sempre existiram.

– A pecuária de precisão é um rótulo para técnicas usadas há décadas e que têm sido aprimoradas – diz o zootecnista.

Pesquisador da Embrapa Pecuária Sul, o engenheiro agrônomo Naylor Perez diz que o aparato tecnológico ajuda, mas não é imprescindível. Como exemplo, cita o controle da altura de pasto, que pode ser feito com uma régua:

– A pecuária de precisão é uma postura gerencial que visa aumentar o retorno econômico, o bem-estar dos animais e dos trabalhadores, satisfazer os consumidores e minimizar algum efeito negativo no ambiente – fala.

Gestão diferenciada e investimento em itens como irrigação, explica Cantão, um dos donos, deixou gado mais valorizado

Propriedade integrada e mais eficiente

A trajetória da Estância Formosa, de Aceguá, na Campanha, resume o que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul ao longo das últimas décadas. Com quase 80 anos, a propriedade, que começou focada só na pecuária de corte, hoje também produz arroz, milho e soja. Na próxima safra, a lavoura vai avançar mais sobre os 1,3 mil hectares destinado à criação de gado da raça aberdeen angus.

Segundo o agrônomo Ronaldo Cantão, 56 anos, um dos proprietários da estância, a meta é plantar 700 hectares de grãos, cem a mais do que no ciclo anterior.
Mas a redução gradual da área dedicada ao gado não tem se traduzido em encolhimento da produção bovina de ciclo completo (cria, recria e engorda).

Isso porque, desde 1996, os proprietários da fazenda utilizam técnicas de pecuária de precisão, que permitem produzir mais com menos. Em 19 anos, a produtividade triplicou, passando de 50 quilos por hectare em 1996 para 150 quilos hoje, com picos de até 165 quilos.

O primeiro método adotado foi o pastejo rotacionado, no qual as zonas de pasto são divididas em 27 fatias. Há sempre uma ocupada, isolada por uma cerca elétrica móvel, e outras 26 vazias. O gado entra no espaço com o pasto a uma altura de 25 cm e é retirado quando o nível atinge 10 cm. Aliada à adubação de pastagem, a técnica permite lotação de até três cabeças por hectare, quando no método tradicional seria apenas uma.

Cantão relata que resolveu implantar o sistema após assistir palestras em que pesquisadores e produtores relatavam suas experiências. A partir daí, também resolveu testar. Começou com uma área pequena, de 20 hectares, até chegar aos atuais 600 hectares, que abrigam 1,4 mil cabeças de gado.

– A intensificação exige bastante, porque envolve vários fatores. É importante iniciar devagar, em áreas menores. Não dá para ser imediatista – afirma o agrônomo, que, assim como os dois irmãos, seguiu os passos do pai e do avô na atividade.

Há dois anos, a estância também investiu em pivôs de irrigação, inicialmente destinando um para a pastagem e outro para a lavoura. Hoje, os equipamentos são usados principalmente na lavoura, pois os donos entendem que, assim, o valor investido se paga mais rápido. Na propriedade, que tem 16 funcionários, também é feita a sobressemeadura de forrageiras na resteva de soja, com auxílio de uma aeronave.

Há ainda rastreabilidade, integração lavoura-pecuária e controle mensal de 187 itens, como custos, receita, investimento e produtividade. O resultado de tudo isso? No valor pago pela indústria pelo gado produzido, vem embutido um bônus de bem-estar social e animal.

“Muitos preferem ver para crer”, diz pesquisadora de Embrapa

Pesquisadora de Sistemas de Produção Embrapa Gado de Corte, Thaís Basso Amaral defende que a pecuária de precisão é um caminho sem volta. Os custos das novas tecnologias e a resistência dos pecuaristas a mudanças são apontados como alguns dos entraves para o avanço das técnicas no país.

Quais as vantagens em implantar a pecuária de precisão?

Com as informações de todas as ocorrências relevantes – tais como vacinas e variação de peso – durante a vida do animal, é possível rastrear a origem de problemas ao longo de toda a cadeia. Isso permite modificar manejo, prever lucros e obter maior segurança na tomada de decisão. Assim, é possível atingir o efetivo controle dos animais desde o nascimento até a gôndola, aumentando a eficiência do processo produtivo.

Por que o uso de tecnologia conquistou mais a agricultura do que a pecuária?

Costumo comparar a agricultura à bolsa de valores e a pecuária, à caderneta de poupança. Pelo fato de a agricultura ser uma atividade de alto risco, os produtores precisam sempre inovar e buscar opções para reduzir custos e ampliar a eficiência. No caso da pecuária, os riscos são mais baixos, e o ciclo de produção é muito maior, o que faz com que a velocidade das mudanças seja menor.

O que impede o avanço do sistema no país?

Os principais entraves para o desenvolvimento da pecuária de precisão no Brasil são os custos dos equipamentos e aspectos culturais e comportamentais dos pecuaristas, que costumam ser bastante tradicionalistas e ter certa resistência a novas tecnologias. Preferem “ver para crer” e esperar dar certo no vizinho para depois fazer as mudanças.

A utilização da pecuária de precisão tende a aumentar nos próximos anos?

Sim. Diante de um mercado cada vez mais agressivo, os pecuaristas têm de buscar novas formas de gerenciamento da propriedade e melhores desempenhos. Além disso, a conexão de informações a sistemas de gerenciamento automático irá reduzir o tempo despendido no manejo do gado, contribuindo para a otimização dos processos. Consequentemente, ocorrerá diminuição dos custos, tornando as empresas rurais mais competitivas no mercado.

Fonte: Zero Hora



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