Ipê Roxo

MUDANÇAS NO DNA CONSERVA IPÊ ROXO

Cientistas da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade Federal de Lavras (Ufla) desenvolveram um sistema tecnológico de análise de DNA para estudos de genética populacional do ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus). Baseado na genotipagem do DNA por técnica de sequenciamento, o sistema é uma ferramenta que poderá ser empregada no desenvolvimento de estratégias de conservação biológica da espécie, além de ampliar a possibilidade de utilizá-la em sistemas de produção.

A técnica de genotipagem desenvolvida com a colaboração da Embrapa possibilita a caracterização simultânea de um grande número de variações nas sequências de DNA de árvores individuais. O sistema indica onde as variações ocorrem no genoma de um individuo e a frequência com que são encontradas em uma população. Essas variações genéticas são o resultado de processos nos quais características hereditárias se tornam mais comuns ou mais raras em sua frequência na população. Por ser afetada por modificações no ambiente natural, a acumulação de variações resulta em repertórios genéticos que podem ser relacionados com a ocupação dos territórios pelos organismos.

Identificação de madeira ilegal

Por tratar-se de espécie praticamente sem domesticação, as ferramentas moleculares podem apoiar a introdução acelerada dessas espécies no melhoramento florestal. A técnica pode também auxiliar no rastreamento por análise forense do material madeireiro, reconhecendo fraudes praticadas por exploração ilegal de reservas. Por meio da diferenciação genética identificada com a nova técnica, é possível inferir com bastante precisão a origem de árvores individuais por análise estatística dos dados.

Mudança no DNA como forma de adaptação

Ao longo de muitas gerações, as mudanças sucessivas no DNA podem produzir diferenciação genética da espécie, resultando na formação de populações com características adaptativas de sobrevivência e de reprodução nas localidades geográficas. Reconhecer esses processos de modificações do DNA correlacionados a adaptações locais é um passo importante para estratégias de conservação biológica das populações.

O ipê-roxo é uma espécie que tem larga distribuição regional na América do Sul e na Mesoamérica. A árvore ocorre em toda a região neotropical, sendo encontrada, no Brasil, nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, estendendo-se para a Bolívia, o Peru até o México. Porém, tem ocupação esparsa, dificultando a realização de estudos amplos sobre a evolução biológica da espécie. Isso tem restringido os esforços de conservação ao conhecimento ecológico local, sem avançar no esclarecimento da habilidade dos grupos de persistirem em diferentes ecossistemas. Assim, pode-se correr o risco de iniciativas de conservação ou manejo não reconhecerem padrões da ocupação espacial que asseguram conexões e minimizam os efeitos da fragmentação.

Origem geográfica de cada árvore

O sistema de genotipagem é capaz de revelar a diferenciação genética entre árvores de ipê-roxo de diversas localidades já analisadas pelos pesquisadores. As evidências indicam que existem diferentes populações da espécie no território brasileiro. Em termos práticos, essa descoberta indica que o sistema pode ser usado para determinar a origem geográfica de árvores para as populações identificadas.

Os resultados dessas pesquisas foram descritos em dois artigos científicos veiculados em periódicos internacionais de acesso aberto. “Design and evaluation of a sequence capture system for genome-wide SNP genotyping in highly heterozygous plant genomes: a case study with a keystone Neotropical hardwood tree genome” (DNA Research) e “A genome-wide scan shows evidence for local adaptation in a widespread keystone Neotropical forest tree” (Heredity).

Outro aspecto destacado pelos pesquisadores é a descoberta de que, na evolução biológica da espécie, ocorreu o compartilhamento pelas populações de muitos dos genes avaliados e com frequências bastante similares. Isso foi observado nas localidades estudadas.

Esses resultados indicam que, apesar de a fragmentação espacial ser notável na floresta neotropical, não se espera declínio significativo no número de indivíduos de ipê-roxo nas diferentes populações. Porém, isso não inclui outras causas que podem levar a perdas de diversidade genética, como a exploração predatória da espécie pela derrubada direta de árvores e a abertura de clareiras na floresta, comuns nas práticas convencionais destrutivas de colheita ou mesmo em manejos autorizados com menor impacto ambiental, mas inadequados quanto a características ecológicas e genéticas da espécie.

Mais ainda, por meio de simulações envolvendo dinâmica demográfica, cenários probabilísticos de mudanças ambientais e resposta de genes à seleção natural, os pesquisadores alertam que em algumas regiões geográficas pode ocorrer uma diminuição da presença da espécie no futuro.

Ipê para quase tudo

O ipê já é bastante cobiçado para a construção de decks, principalmente nos Estados Unidos, pois sua madeira é densa, durável e resistente. Resultados promissores têm sido encontrados nos laboratórios da indústria farmacêutica e de universidades em pesquisas sobre o uso de substâncias obtidas de partes da árvore. Testes apresentam resposta positiva no combate a alguns tipos de câncer, porém, a citotoxicidade dessas substâncias ainda é um problema em investigação.

Para chegar a essa fase da pesquisa, os cientistas já haviam elucidado, no começo de 2018, a sequência de DNA no genoma do ipê-roxo.

“Depois do sequenciamento do DNA, uma nova fase da pesquisa priorizou o desenvolvimento de ferramentas moleculares baseadas em SNPs (Single nucleotide polymorphisms) para a análise da variação genética de populações, com o intuito de auxiliar estratégias de conservação biológica e possivelmente de valorização do seu uso em sistemas de produção”, conta o pesquisador da Embrapa Orzenil Silva Junior.

Os cientistas destacam que para o manejo da espécie é importante avaliar a necessidade de medidas de proteção da diversidade genética do ipê-roxo. Eles ressaltam que há muitos estudos sobre florestas úmidas, porém poucos direcionados às tropicais secas. Um exemplo disso é apontado em um recente trabalho publicado na revista Science mostrando que apenas 1,2% da região total de Caatinga da floresta seca no Brasil é totalmente protegido em comparação a 9,9% da Amazônia brasileira.

Genotipagem de DNA pode auxiliar manejo adequado

Os estudos baseados no novo sistema de genotipagem revelam os desafios que a espécie enfrenta na ocupação de ambientes variados e que podem interferir na sobrevivência e na reprodução dessas árvores.

“O ipê-roxo é capaz de estabelecer populações em diversos ambientes do território brasileiro, porém, a ocupação é disjunta conforme a fragmentação de ecossistemas nos seus biomas preferenciais”, diz Silva-Junior.

Ele explica que identificar mudanças que afetam as características da espécie é essencial para a sua preservação e o seu uso potencial com árvores da floresta neotropical em sistemas de manejo.

“O DNA fornece dados muito ricos sobre a relação entre as áreas de ocorrência de uma espécie e o estabelecimento de uma característica herdável, como a qualidade de madeira ou a produção de um composto químico usado na indústria.” “Estudos usando o sistema de genotipagem podem trazer orientações sobre manejo a produtores interessados e auxiliar a continuidade da espécie no ambiente natural”, destaca o cientista.

No entanto, é preciso que outras evidências para o refinamento do manejo do ipê-roxo sejam consideradas.

Ele ressalta que já existem estudos indicando que características ecológicas e genéticas do Ipê-roxo podem impedir o seu manejo sustentável em ciclos com intervalos de 30 anos entre um corte e outro de árvores de uma mesma região. Parâmetros genéticos, ecológicos e práticas silviculturais, portanto, precisam ser avaliados para assegurar que haverá tempo suficiente para que uma população não entre em declínio por perturbações derivadas da exploração. A análise do DNA pode contribuir em todas essas avaliações.

Fonte: Embrapa



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